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O Paraense

06 abr 2015

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e marcado com as tags Cabanagem, Censura e repressão, Crítica política, Liberalismo, Pará, Primeiro Reinado

Primeiro jornal a ser produzido e impresso na província do Grão-Pará, atual Estado do Pará, e pioneiro da imprensa no Norte do Brasil, O Paraense foi lançado em 22 de maio de 1822 pelo advogado e político Felipe Alberto Patroni Martins Maciel Parente. Viabilizado pela tipografia que seu editor trouxera de Portugal ao retornar de sua graduação em Leis e Cânones na Universidade de Coimbra, o periódico foi impresso sob a influência que a Revolução Liberal do Porto e a instituição da Lei de Liberdade de Imprensa em Portugal, em 4 de julho de 1821, tiveram no estabelecimento da convicção político-intelectual de Patroni. Assim, sua linha era estritamente liberal, defensora da ordem constitucional e, num segundo momento, da autonomia brasileira frente ao domínio lusitano. No fim, após circular irregularmente – saía uma ou duas vezes por semana – no turbulento contexto que levou à Independência do Brasil, a folha pioneira acabou sofrendo com a repressão do poder local em diversas ocasiões: foi editada somente até sua 70ª edição, que, quando publicada, provocou a ira de autoridades militares locais, pró-domínio português, resultando em seu empastelamento em fevereiro de 1823.

Apesar de O Paraense ter sido o primeiro periódico da província, já no ano de 1820 uma oficina montada por João Francisco Madureira - editor em Lisboa de um folheto intitulado “O Despotismo Desmascarado ou a Verdade Denodada”, também sob efeito da Revolução Liberal do Porto e pregando o mesmo antidespotismo que a folha que viria a lume dois anos depois - lançava impressos no Pará. No entanto, foi a iniciativa de Patroni que alçaria voo mais alto na história política brasileira: agitador audacioso, Patroni chegou a aderir à revolução em Portugal como representante do Grão-Pará, tendo participado ativamente da imprensa liberal lisboeta e aproveitado a ocasião para estabelecer uma sociedade com Simões da Cunha, José Batista da Silva e o impressor Daniel Garção de Mello, acompanhado dos tipógrafos Luiz José Lazier e João Antônio Alvarez, para a compra e a instalação de uma oficina tipográfica no Brasil. Assim, sua casa impressora se estabeleceu em território paraense, ao que consta, em 1º de abril de 1822. Ali, todavia, dentro da própria sociedade, Patroni teve que lidar com figuras ligadas aos dominadores portugueses que pretendiam imprimir sua linha ao jornal. Uma vez rechaçados pelo dono da tipografia, o mesmo iniciou a edição d’O Paraense divulgando sua orientação política, considerada escandalosa por parte dos governantes coloniais do Grão-Pará, que logo empregaram meios para emudecê-lo.

Em verdade, Patroni esteve pouco tempo à frente de seu periódico: logo depois de fixá-lo, foi detido e mandado para a Fortaleza de São Julião, em Lisboa, de onde saiu após a confirmação do Grão-Pará ao Brasil independente da coroa portugesa. Nelson Werneck Sodré nos revela sucintamente a trajetória d’O Paraense, que, já em sua primeira edição, versava sobre a liberdade de imprensa:

"Patroni colocava a liberdade acima da Independência, pois, e os meios para liquidá-lo não seriam mansos, imprimia o jornal em esconderijo, compondo-o à noite, com o auxílio de Antônio Dias Ferreira Portugal. Preso a 25 de maio e embarcado para a metrópole, passou a missão ao cônego João Batista Gonçalves Campos, outra extraordinária figura de agitador e patriota. Batista Campos começou por colocar o problema da separação e por atacar as autoridades locais. Em agosto, sofreu atentado que não o impediu de prosseguir na luta; a 18 de setembro – depois da Independência – foi preso, solto, preso outra vez, em novembro, pelo crime de ter publicado o manifesto de D. Pedro datado de 1º de agosto. Posto novamente em liberdade, refugiou-se no interior, para escapar à fúria dos dominadores da província, deixando o jornal com outro cônego, Silvestre Antônio Pereira da Serra, em cujas mãos, em fevereiro de 1823, veio a perecer a folha". (p. 66)

Um dos principais fatores que contribuíram para o fim do jornal, durante a gestão de Batista Campos, foi a denúncia do corporativismo militar como a principal expressão do despotismo na província – atingindo em cheio o comando local, composto de militares como o brigadeiro José Maria de Moura, governador das Armas. De qualquer forma, ocorre que naquele período, apesar da Independência, uma forte reação à mudança, ligada ao governo do Rio de Janeiro, chegava ao auge. A repressão a antigos apoiadores da cisão entre Brasil e Portugal assolou o Grão-Pará – travava-se, na verdade, uma disputa entre duas forças políticas antagônicas, que culminaria na Cabanagem, em 1835. Naquele ano de 1823, todavia, as oficinas d’O Paraense, depois de empasteladas, passaram ao domínio dos descontentes, que, sob a responsabilidade de José Ribeiro Guimarães, e seguindo a cartilha dos dominadores locais de então, contrários à Independência, passou a imprimir o órgão áulico O Luso Paraense, verdadeira antítese de O Paraense redigida por Luiz José Lazier e José Ribeiro Guimarães e veiculada pela então denominada Imprensa Constitucional de Daniel Garção de Mello. No entanto, quando a ordem se estabeleceu e a província pôde enfim ser devidamente integrada ao Império, a tipografia passou a editar O Independente, em dezembro de 1823. Posteriormente, a mesma ainda imprimiria O Verdadeiro Independente, O Telegrapho Paraense e O Brasileiro Fiel à Nação e ao Império.

Geraldo Mártires Coelho, no artigo “O jornal O Paraense e as ideias liberais no Pará de 1822”, destaca a herança de O Paraense e de Batista Campos no contorno político paraense já durante o Período Regencial:

“Batista Campos, no tempo em que ficou à frente de O Paraense, alargou o espectro de sua luta pela redefinição dos espaços do poder no Pará de 1822. Combatia e condenava os que chamava de portugueses degenerados, tivessem nascido em Portugal ou fossem naturais do Pará, posto que a sua degeneração não implicava condição de nascimento, mas afronta à sociedade, apego ao poder, descaso com a administração e desrespeito à opinião pública. A prática política de Batista Campos à frente de O Paraense, nos anos mais duros da vida do primeiro jornal do Norte do Brasil, levou o grande cônego a esgrimir a questão do papel da opinião pública no processo político de enfrentamento ao poder estabelecido no Pará. Como bem observa Vicente Salles, em seu Memorial da Cabanagem, ainda às vésperas da Cabanagem e pouco antes de sua morte, Batista Campos enfrentava o governo e os moderados por meio de jornais como O Publicador Amazoniense (1832) e o Orpheo Paraense (1834). Decididamente, a imprensa, o jornal, a palavra esgrimida, combatente e combativa haviam se instalado na contemporaneidade do Pará”.

Fontes:

- Acervo: edições do nº 1, de 22 de maio de 1822, ao nº 22, de 3 de agosto de 1822, e edição nº 44, de 19 de outubro de 1822.

- BARROS, Thiago. A voz da revolução no Pará. Observatório da Imprensa. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/mt170620031.htm. Acesso em: 12 ago. 2015.

- COELHO, Geraldo Mártires. Anarquistas, Demagogos e Dissidentes: a imprensa liberal no Pará de 1822. Belém: CEJUP, 1993.

- COELHO, Geraldo Mártires. O jornal O Paraense e as ideias liberais no Pará de 1822. Seminário Internacional Independências nas Américas – 190 anos da Independência do Brasil na Bahia. Fundação Pedro Calmon. Disponível em: http://200.187.16.144:8080/jspui/bitstream/bv2julho/880/1/Revista_Texto10_Geraldo%20M%C3%A1rtires%20Coelho.pdf. Acesso em: 12 ago. 2015.

- SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966.

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